O irmão Christophe Blawo Yata, missionário comboniano natural do Togo, obteve o doutoramento em Transformação Social. Conta-nos como o seu percurso investigativo o aproximou dos processos de acção comunitária e transformação urbana no bairro de Kibra Soweto-East, em Nairobi, Quénia.
Um percurso de doutoramento, como o que fiz na Tangaza University, é frequentemente descrito como uma maratona da mente, mas, para mim, foi igualmente uma viagem do coração e de transformação pessoal. Ao longo dos anos, a minha investigação, intitulada Organização Popular na Habitação e Transformação Urbana: uma Investigação Fenomenológica sobre a Dinâmica Governo-Residentes em Kibra Soweto-East, levou-me muito além das teorias, políticas e debates académicos. Mergulhou-me nas realidades vividas por uma comunidade cuja resiliência, criatividade e humanidade modificaram a minha compreensão da transformação social.
A minha investigação ultrapassou os limites de um exercício académico convencional, emergindo na intersecção entre a crise habitacional urbana e o meu envolvimento directo com as comunidades afectadas. A minha posição era intrinsecamente híbrida: como missionário comboniano togolês e investigador, eu era tanto «interno» quanto «externo» a Kibra.
Esta posição não só facilitou o acesso e a confiança, como também influenciou a formulação das questões centrais da investigação. O meu envolvimento nos bairros informais de Nairobi remonta ao período de 2011-2014, durante o qual colaborei com grupos de jovens que surgiram na sequência da violência pós-eleitoral de 2007-2008.
Inicialmente focados na construção da paz, esses movimentos evoluíram gradualmente para plataformas de empoderamento socioeconómico e justiça ambiental. A minha missão subsequente na República Democrática do Congo (2014-2021) aprofundou a minha compreensão comparativa da informalidade urbana, revelando lutas semelhantes por dignidade e pertencimento nos assentamentos periféricos de Kinshasa.
Em 2021, regressar ao Quénia como formador do Centro Iternacional de Irmãos, foi menos uma mudança e mais o retomar de uma conversa interrompida. A paisagem urbana de Nairobi tinha-se transformado com novas infra-estruturas e iniciativas de reabilitação, mas as desigualdades persistentes continuavam visíveis. O meu novo envolvimento através do Kibra Social Justice Centre revelou uma comunidade viva, mas complexa, animada pelas tensões da exclusão e pela energia da mobilização cívica.
Desses encontros surgiu um conceito de “casa” que representa dignidade, identidade e autodeterminação, mais do que um simples edifício físico. Embora programas governamentais como o Kenya Slum Upgrading Programme (KENSUP) e a Affordable Housing Initiative tenham tentado abordar o défice habitacional, a sua execução muitas vezes permaneceu parcial e exclusiva. Estas contradições orientaram as questões centrais da investigação: como é que os residentes contribuem para a construção da cidade? Quem define o que constitui uma solução habitacional? A mobilização interna dos assentamentos informais pode tornar-se uma força real para a transformação urbana? A minha curiosidade era constante: como é que os residentes comuns dos bairros informais influenciam, negociam e remodelam os processos que afectam as suas casas e as suas vidas?
Desde o início, eu sabia que estudar Kibra Soweto-East exigiria mais do que rigor académico. Mergulhei na literatura sobre informalidade urbana, política habitacional e desenvolvimento participativo. Mas por trás de cada teoria, eu sentia a presença de pessoas reais: famílias, jovens, líderes comunitários cujas vozes muitas vezes estavam ausentes dos diálogos políticos.
Eu não estava apenas a estudar a «transformação urbana»: estava a aprender a ouvir através da metodologia pastoral. A fase de recolha de dados levou-me ao coração de Soweto-East. Através de entrevistas, observações e inúmeras conversas, conheci residentes cujas acções diárias questionavam as narrativas convencionais sobre os assentamentos informais.
Vi mães organizarem grupos de poupança para reforçar o seu poder de negociação, jovens iniciarem pequenos projectos de subsistência, líderes locais navegarem com coragem por estruturas governamentais complexas. Encontrei pessoas cuja compreensão de casa vai além de paredes e telhados, tocando identidade, dignidade e pertença. Vivi um mundo definido como “bairro-de-lata” por perspectivas neoliberais, mas expressão real da cidadania dos marginalizados. Recolher dados significava mais do que preencher cadernos: significava ser convidado para as vidas, histórias, medos e esperanças da comunidade, que foi para mim mestra e inspiração. Ao analisar os dados, surgiram padrões: tensões entre iniciativas governamentais e comunitárias, estruturas de poder informais, formas subtis, mas poderosas pelas quais os residentes se adaptam, resistem e co-criam a transformação.
A investigação fenomenológica colocava desafios: como fazer justiça à experiência vivida? Como respeitar a autenticidade das vozes nos textos académicos? Como equilibrar a análise crítica e a compaixão? No entanto, cada intuição lembrava-me porque tinha começado: tornar visível a acção das pessoas demasiadas vezes descritas como destinatárias passivas das políticas.
Para além das teorias da urbanização, a minha experiência em Soweto-East ensinou-me lições de vida:
- A força de agir reside nas pessoas comuns; a transformação não vem apenas das instituições, mas dos actos diários de coragem e colaboração.
- As comunidades compreendem melhor do que os políticos as suas próprias necessidades; o desenvolvimento sustentável ouve antes de orientar.
- A dignidade está no centro do habitar; uma casa é segurança, identidade e aspiração.
- A investigação é uma responsabilidade: estudar vidas significa honrar a sua verdade com respeito e integridade.
Reflectindo sobre este percurso, vejo mais do que uma tese concluída: vejo uma viagem que me moldou intelectual, emocional e eticamente.
Como missionário comboniano, compreendo o apelo de São Daniel Comboni para que os marginalizados se tornem agentes da mudança que lhes diz respeito.
O meu doutoramento não se limitou a analisar a organização a partir da base: viveu-a. Ao encerrar este capítulo, levo comigo um compromisso mais profundo com pesquisas que valorizem as vozes, informem as políticas e inspirem a transformação urbana. Esta jornada pode ter terminado, mas o trabalho por cidades mais inclusivas, humanas e participativas continua. Se esta pesquisa me ensinou alguma coisa, é que a verdadeira transformação começa quando ouvimos realmente aqueles que vivem as realidades que queremos melhorar.
Irmão Christophe Blawo Yata, mccj