Desde que o Brasil é República, oito dos seus presidentes tiveram problemas com a lei, os últimos cinco já depois do fim do regime militar.
@Lusa
Jair Messias Bolsonaro foi só mais um dos presidentes do Brasil a responder perante a Justiça. Mas nenhum antes dele terá ido tão longe nas coisas que lhe apontam, a mais grave delas conspirar contra o Estado, pelo que acaba de ser condenado a uma pena de 27 anos e três meses de prisão.
A história brasileira está cheia de líderes malcomportados ao mais alto nível. Desde o fim do regime militar (1964-1985) já lá vão cinco, mas todos por motivos diferentes e de diferente gravidade.
Collor de Melo
O primeiro a ter problemas com a Justiça foi Fernando Collor de Melo, eleito em 1989, nas primeiras directas depois de os generais terem voltado para os quartéis. Por via disso esteve pouco tempo no Planalto, a sede do governo, dois anos apenas, até ser expulso pelo Congresso. Voltaria mais tarde à política, mas para ser outra vez condenado e afastado das coisas públicas por corrupção.
O caso Collor estoirou em 1992, quando o empresário Pedro Collor, irmão do presidente, acusou o tesoureiro da campanha eleitoral de 1989, Paulo César Farias, de ter montado uma rede de tráfico de influências e de desvio de recursos. O resto foi rápido, acompanhado por uma onda de manifestações hostis ao líder suspeito. Com base nas conclusões de uma comissão parlamentar de inquérito, a Câmara de Deputados abriu um processo de impeachment e o Senado expulsou-o, tudo entre Outubro e Dezembro.
Fernando Collor de Melo disse-se sempre inocente. Foi absolvido, em 1994, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) voltando à política. Mas em 2023, o mesmo tribunal que o absolvera das acusações de 1992 condenou-o por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em Março passado foi encarcerado.
Lula da Silva
O segundo presidente levado a tribunal foi Luiz Inácio Lula da Silva, que depois de dois mandatos, em 2003 e 2010, foi acusado de corrupção e de lavagem de dinheiro, alvo de duas acções penais e preso durante 580 dias.
Num dos processos, Lula foi condenado por ter recebido um tríplex no litoral de São Paulo, uma borla de uma empreiteira por alegados favores, e de ocultar a propriedade, caso em que seria condenado em segunda instância, encarcerado em Curitiba e impedido de concorrer às presidenciais de 2018 com base na Lei da Ficha Limpa, que atesta o bom comportamento dos candidatos.
Libertado em 2019 depois de o STF ter revisto e alterado ao seu entendimento sobre a condenação em segunda instância, Lula viu ainda as outras condenações anuladas pelo mesmo tribunal por este ter com concluído que o juiz Sergio Moro, que antes o julgara, fora parcial.
Já capaz, portanto, de disputar eleições, concorreu às de 2022, contra Jair Bolsonaro, vencendo-as e voltando ao poder.
Dilma e Tamer
Outro dos casos de ex-presidentes perseguidos pela Justiça foi o de Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o Planalto, em 2011. De todos terá sido o menos complicado considerando a falta cometida: decretos de abertura de crédito sem autorização do Congresso, o que na terminologia local chamam «pedalada fiscal». Dilma foi afastada do poder, em 2016, sendo substituída pelo vice-presidente, Michel Temer.
Michel Temer não teve uma vida fácil enquanto presidente, mas também não ficou muito tempo no poder, que deixou, em 2018, escapando a várias investidas do Ministério Público. Denunciado duas vezes pelo procurador Rodrigo Janot, uma por corrupção passiva e outra por organização criminosa e obstrução à Justiça, viu a Câmara de Deputados rejeitar as duas iniciativas mantendo-se no cargo sem responder por nada.
No fim de 2018 foi preso por alguns dias no quadro da operação Lava Jato, mas libertado mercê de uma acção habeas corpus, sendo absolvido de todas as suspeitas em 2022.
Jair Bolsonaro
Para memória futura fica agora também o caso Bolsonaro, 70 anos, o mais condenado de todos os antigos presidentes brasileiros. Declarado, em 2023, pelo Tribunal Superior Eleitoral, inelegível, até 2030, por abuso do poder e uso indevido dos meios de comunicação, e condenado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) por cinco crimes entre eles organização criminosa e tentativa de golpe de Estado, em 2025.
Com a sentença do STJ, Jair Bolsonaro passa a integrar uma lista de dez chefes de Estado condenados por golpe em todo o mundo após a Segunda Guerra Mundial, segundo um estudo de Luciano Da Ros e Manoel Gehrke, publicado na revista Government & Opposition, da Cambridge University Press.
Em banho-maria estão ainda as investigações sobre o desvio de jóias que terá recebido no quadro de uma visita, enquanto presidente, à Arábia Saudita.
«Há quatro anos, Bolsonaro, então Presidente, fez uma promessa. Em declarações a líderes evangélicos, o ex-capitão do Exército disse que a sua campanha de reeleição em 2022 só poderia terminar em prisão, morte ou vitória. “E pode ter certeza de que a primeira opção não existe”, garantiu. Estava errado», escreveu a revista britânica The Economist.