Ao serviço das periferias

Ao serviço das periferias

21/06/2022
Ir. José Manuel Salvador Duarte

As paróquias de Camarate e Apelação estão sob o cuidado pastoral dos Missionários Combonianos desde Setembro de 2010. Localizam-se ambas em Loures, um município da área metropolitana de Lisboa, situado a norte do aeroporto. O seu território inclui 28 bairros, a maioria construídos com grande sacrifício pelos seus habitantes, mas sem nenhum critério ou planeamento urbanístico. Neste ambiente cresceram as habitações ilegais que transformaram esta região da capital lusa num subúrbio de casas pequenas, com sinais de evidente degradação.

A partir da década de 1970, chegaram a Camarate muitos imigrantes de todos os continentes – particularmente africanos – que na actualidade são, em alguns bairros, mais de 40% da população. As estatísticas oficiais (dados de 2019) assinalam que em Loures residiam de forma legal 40 860 imigrantes, procedentes dos seguintes países: Brasil (20%), Cabo Verde (12%), São Tomé e Príncipe (11%), Guiné-Bissau (10%), Angola (9%), Bangladesh (5%), Roménia (5%), Índia (5%), Paquistão (2%) e de outras nacionalidades em menor percentagem. Também está presente, dispersa por todos os bairros, uma numerosa comunidade cigana. Os dados oficiais, não obstante, só espelham a realidade parcialmente, porque a população migrante é bastante mais numerosa.

 



O P. Horácio Rossas (à dir.) durante uma visita em Camarate; em baixo, o Ir. José Manuel Salvador Duarte (segundo à esq.) conversa com uma senhora residente num dos bairros de Camarate


 

Vida difícil

Os desafios e injustiças que estes migrantes, que vivem às portas de Lisboa, têm de enfrentar são numerosos. Em Loures, como ocorre em inúmeros lugares do mundo, aqueles que vivem em situação de irregularidade administrativa e não constam dos registos oficiais têm muitas dificuldades para aceder a qualquer ajuda estatal. Com frequência, aceitam trabalhos sem assinar um contrato legal e, assim, ficam sem direitos e benefícios laborais e recebem o montante que a empresa lhes quiser pagar, sem respeitar muitas vezes o salário mínimo estabelecido. Este tipo de acordo faz-se em sectores como a construção, a agricultura, a restauração ou o trabalho doméstico.

Nos nossos bairros percebemos que, com a pandemia, aumentaram significativamente alguns problemas que já existiam, nomeadamente a violência doméstica, o consumo de álcool e drogas, as doenças mentais. Como a maioria das famílias são monoparentais, toda a responsabilidade familiar recai sobre as mães, que são obrigadas a trabalhar o dia inteiro para sobreviver. E como não têm com quem deixar os filhos – muitos dos familiares, como os tios e avós, ficaram nos países de origem –, as crianças e adolescentes ficam sós durante grande parte do tempo. Isto reflecte-se no seu rendimento escolar e dificulta o seu desenvolvimento social e emocional. Nesse sentido, criámos com a Família Comboniana a Associação Jovem Despertar, um projecto que dá apoio escolar e psicológico aos estudantes menores.

 



O Ir. Joseph Peanane, comboniano da RD do Congo, acompanha as crianças que participam nas actividades da Associação Jovem Despertar

 

Obra de promoção humana

Neste contexto de periferia urbana degradada, começámos a Obra Comboniana de Promoção Humana (OCPH) no bairro do Grilo, em Camarate. Integram a comunidade o Ir. Joseph Peanane, comboniano da República Democrática do Congo, o padre Horácio Rossas e o Ir. José Manuel Salvador Duarte, ambos portugueses. A iniciativa, que conta com o apoio das comunidades cristãs das paróquias de Camarate e Apelação, é uma comunidade de inserção ao serviço da evangelização e da promoção humana.

Acreditamos que este contacto próximo com as pessoas é um privilégio, pois ajuda-nos a conhecer a realidade e a dar respostas concretas às questões que afectam a sua vida, como a habitação, o trabalho, a saúde, a educação, a obtenção de documentação ou a experiência espiritual. Neste contexto, tratamos de fomentar dinâmicas que facilitem a integração social e o diálogo intercultural e religioso de forma a reunir o maior número possível de pessoas na construção do Reino de Deus.

No nosso serviço missionário relacionamo-nos com todos os vizinhos do bairro, mas a nossa comunidade pretende estabelecer um diálogo privilegiado com aquelas pessoas que não foram suficientemente evangelizadas, em particular com as pessoas migrantes; e também, ainda que seja uma tarefa muito complexa, com as comunidades ciganas.

Para anunciar o Evangelho privilegiamos o testemunho de vida simples, próximo das pessoas, promovendo os dons e capacidades de cada pessoa, de modo que cada uma seja sujeito activo do seu desenvolvimento pessoal e espiritual.

 



Durante a pandemia os Missionários Combonianos de Camarate colaboram na distribuição de alimentos aos mais necessitados

 

Tempo de pandemia

Durante a emergência sanitária causada pela covid-19, os três combonianos da OCPH tivemos de adaptar os nossos programas às necessidades das pessoas. Tudo mudou de um dia para o outro. Não obstante, o confinamento para nós foi um tempo de proximidade com o sofrimento das pessoas que Deus pôs nas nossas vidas. Permitiu que conhecêssemos melhor a realidade e os problemas das famílias que acompanhamos.

Além da falta de bens materiais de que tantas pessoas sofrem, deparámo-nos com o drama da solidão e do abandono, que afecta tantas pessoas, especialmente idosos e doentes que não têm família. Muitos ligavam-nos simplesmente para falar connosco ou para nos pedir que lhes fôssemos fazer um pouco de companhia; abraçámos, por isso, este ministério da escuta com entusiasmo.

Pouco a pouco estamos a regressar à normalidade da pré-pandemia e a retomar as nossas actividades de evangelização e promoção humana. Trabalhamos em rede com muitas organizações (Associação Habita, Serviços Jesuíta aos Refugiados, Cáritas Diocesana de Lisboa, associações do bairro, etc.). Assim, com iniciativas pequenas e simples procuramos construir o Reino de Deus nesta periferia de Lisboa.