Em Joanesburgo, na África do Sul, o instituto dos Irmãos Maristas desenvolve, desde 2008, o projecto educacional Three2Six, destinado a crianças refugiadas e migrantes. O seu objectivo é promover o bem-estar físico, psicológico e espiritual dos beneficiários.
Bernardino Frutuoso, jornalista
Os conflitos armados na África, nomeadamente no Sudão, Sudão do Sul, Somália, República Centro-Africana, República Democrática do Congo e Burundi, têm sido causadores da migração e do deslocamento no continente. A África do Sul é o país africano que recebe o maior número de migrantes e refugiados africanos que fogem de situações de violência. Nesse contexto de vulnerabilidade, milhares de crianças refugiadas e migrantes que vivem em Joanesburgo, capital do país, não têm acesso à educação pública, ainda que este seja um direito consagrado na constituição do país.
Para dar uma resposta desde a fé cristã a essa situação, os Irmãos Maristas criaram no ano de 2008 o Three2Six, um programa inovador de promoção social e educação inclusiva que proporciona acesso à educação a rapazes e raparigas refugiados e migrantes com idades entre os 5 e os 14 anos. Estes menores, ao deixar os seus países de origem, interromperam os estudos ou, devido ao conflito armado, nunca puderam frequentar a escola.
«As crianças que o Three2Six apoia vêm de ambientes pobres. São originários de outros países africanos (por exemplo, República Democrática do Congo, Ruanda, Zimbábue, Burundi), onde os seus pais nasceram ou onde eles próprios nasceram. Chegaram à África do Sul em busca de refúgio, mas infelizmente enfrentam grandes desafios no país, como o acesso a serviços básicos (documentos, educação, assistência médica), pobreza e xenofobia, que limitam a sua integração na África do Sul», refere Charlotte Margerit Byrne, a jovem advogada francesa que é responsável no projecto pelas áreas de comunicação, parcerias e advocacia (defende e promove os direitos das crianças refugiadas).
O projecto Three2Six serve de ponte para crianças refugiadas que têm dificuldade em se matricular em escolas sul-africanas, seja porque as suas famílias não podem pagar as propinas, seja porque os pais não têm todos os documentos necessários. Muitos dos alunos são refugiados indocumentados que se mudaram para a África do Sul com os seus pais ou familiares. Sedler Miguel conta o seu caso: «Tenho 13 anos e sou natural de Angola. Moro com o meu primo em Joanesburgo, na África do Sul, desde que nasci. Antes de entrar no Three2Six, o meu primo fez de tudo para me encontrar uma escola, mas sempre lhe diziam que não. Acordava de manhã e via as outras crianças a irem para a escola... como elas riam com os amigos e como pareciam satisfeitas nos seus uniformes. Agora estou feliz, sinto-me igual aos outros e vejo um futuro à minha frente.»
O projecto oferece educação de qualidade, incentivando a inclusão, a diversidade de expressão, a compreensão mútua e a participação das crianças. O itinerário formativo foi elaborado com o objectivo de melhorar o bem-estar físico e psíquico dos beneficiários, ajudando-os a construir e desenvolver a sua resiliência.
Three2Six trabalha em colaboração com outras organizações que se ocupam de refugiados e migrantes para permitir mudanças a nível político. Todavia, empenha-se constantemente em sensibilizar a opinião pública para os problemas dos refugiados, procurando conter o fenómeno da xenofobia.
Formação integral
Entre 2008 e 2022, o projecto funcionou como um programa educacional complementar para crianças refugiadas e migrantes que não tinham acesso à educação pública. Três comunidades escolares anfitriãs (Sacred Heart College, Observatory Girls’ Primary School e Holy Family College) disponibilizaram as suas instalações ao Three2Six todas as tardes, das 15h00 às 18h00, após o término das aulas dos alunos diurnos. É daí que vem o nome do projecto: Three2Six.
No final de 2022, os Irmãos Maristas, a fim de garantir às crianças migrantes e refugiadas um dia lectivo completo, adquiriram o Dominican Convent School, em Belgravia, Joanesburgo. Assim, desde 2023, os 225 alunos do programa começaram a frequentar a escola a tempo completo. Era um estabelecimento de ensino onde se vivia um ambiente multiétnico e multicultural com crianças não-migrantes, promovendo a coexistência e a inclusão num país assolado pela xenofobia. Não obstante, durante estes dois anos, «a escola enfrentou dificuldades financeiras, que o Instituto Marista se esforçou para colmatar. No entanto, a escola não conseguiu o número esperado de alunos e, sem apoio financeiro suficiente, o seu funcionamento tornou-se insustentável. Apesar de ter explorado todas as opções, após uma análise cuidadosa, os Maristas tomaram a difícil decisão de encerrar a escola no final de 2024», afirma Mark Potterton, director do programa.
Com o encerramento da Dominican Convent School, em 2025 o projecto voltou à sua sede original no Sacred Heart College. Esta nova fase do programa não desanima os responsáveis, como refere Roddy Payne, presidente do Three2Six: «O projecto continuará a proporcionar uma experiência relevante de ensino para todas as nossas crianças, à medida que nos concentramos em uma oferta educacional mais direccionada e elaborada. Os esforços de recuperação e apoio serão reforçados e exploraremos novas formas de prestar apoio pastoral a famílias particularmente vulneráveis. O projecto terá o seu “próprio” espaço na nossa “nova” casa, que proporcionará um sentimento de identidade comunitária, mantendo a atmosfera calma e amorosa do Sacred Heart College. O projecto utilizará plenamente as óptimas instalações do colégio, especialmente para actividades extracurriculares. Por fim, o projecto contará com o apoio administrativo, a supervisão contínua da Direcção e do Conselho do Sacred Heart College, bem como com a orientação do Conselho das Escolas Maristas e o amor e cuidado dos Irmãos Maristas.»
Actualmente, como assinala Roddy Payne, os estudantes do Three2Six participam num programa extracurricular abrangente, que inclui, entre outras actividades, aulas de judo, dança e marimba. Essas experiências de aprendizagem enriquecedora incentivam a participação activa na vida da comunidade escolar e facilitam a transição dos alunos para o sistema de ensino público, proporcionando-lhes uma base educacional sólida e completa.
Além disso, os alunos do Three2Six recebem uniformes (o uniforme é de uso obrigatório nas escolas da África do Sul e tem o propósito de promover a igualdade e fortalecer o sentido de comunidade nas instituições), livros e outros materiais didácticos, uma refeição e um lanche por dia e, quando necessário, transporte seguro de ida e volta à escola.
Para alcançar um dos principais objectivos do Three2Six, a transição das crianças para o ensino regular, o programa oferece-lhes também apoio financeiro quando encontram uma vaga numa escola sul-africana e recebe-as todos os meses durante os dias dos ex-alunos para dar apoio aos trabalhos de casa e realizar actividades lúdicas.
O projecto também integra no corpo docente professores refugiados — oito dos 48 que trabalham na iniciativa marista — proporcionando-lhes assistência no reconhecimento oficial dos seus títulos académicos, experiência com o currículo sul-africano e, quando necessário, apoio para continuarem os estudos a fim de obterem qualificações de ensino sul-africanas, aumentando assim as suas competências profissionais e a empregabilidade.
O Three2Six também fomenta a criatividade e a expressão artística das crianças refugiadas, nomeadamente através da poesia e da pintura. Anualmente, essas obras são recopiladas numa antologia. Neste ano 2025, Ano Jubilar convocado pelo Papa Francisco com o lema «Peregrinos da Esperança», foi organizada uma colectânea de poemas e pinturas que permitem amplificar as vozes dos marginalizados e promover a reflexão na sociedade. Na antologia ecoam apelos à solidariedade com os refugiados e comunidades discriminadas. «Esta colecção é um sinal tangível de esperança», observa o director Mark Potterton. «Ela desafia-nos a agir — a perdoar dívidas, proteger o nosso planeta e apoiar aqueles que estão em “situações difíceis”.»
Realização de sonhos
Desde a sua fundação, o programa proporcionou um ambiente social, físico, espiritual e emocionalmente seguro e um espaço de aprendizagem para mais de 2631 crianças que, de outra forma, não teriam recebido qualquer educação. Adquiriram competências básicas (leitura, escrita e matemática) para a sua integração na educação formal e competências para a vida para o seu crescimento pessoal integral.
Enock Kankonde é uma ex-aluna do Three2Six que nasceu na República Democrática do Congo e, aos sete anos, juntamente com a sua família, deixou o país devido a um conflito político. Desde então, ela viveu com os seus tios, pois os seus pais estabeleceram-se na Zâmbia.
Enock também enfrentou o desafio que muitas crianças refugiadas na África do Sul encontram ao procurar uma escola. Ingressou no Three2Six em 2016, para frequentar o 6.º ano. A sua disciplina favorita era Matemática; inicialmente, isso devia-se em parte à barreira do idioma, mas ela desenvolveu esse amor pela Matemática em aptidões como a programação e o desenvolvimento informático. Enock empenhou-se seriamente nos estudos e nas actividades extracurriculares e, como recompensa, recebeu uma bolsa de estudos para o 7.º ano.
A transição para uma escola pública regular ocorreu no ano seguinte e não foi fácil, pois, por vezes, o ambiente era hostil. Mas ela foi resiliente, conseguiu fazer novos amigos e superar-se nos estudos.
Para Enock, o Three2Six foi mais do que apenas um programa pós-escolar. Converteu-se no espaço onde ela pode experimentar a importância de pertença a um grupo social, criando vínculos e crescendo no desejo de contribuir para o bem-estar da comunidade. «Sentes que estás com pessoas que percorreram um caminho idêntico ao teu, que passaram por dificuldades semelhantes, que estão na mesma situação e enfrentam os mesmos problemas. Sentes que não está sozinha», explica.
Actualmente, Enock trabalha no centro Scalabrini de acolhimento de refugiados, na Cidade do Cabo. Os dias no centro começam às 8h30 e são muito preenchidos. Ela realiza diferentes actividades, dependendo das necessidades. Organiza workshops de literacia digital e colabora com os refugiados na elaboração dos currículos que vão entregar nas empresas e, assim, aumentar as possibilidades de encontrar trabalho.
Enock é um exemplo de como a educação, o apoio e o sentido de comunidade podem ajudar a concretizar sonhos e a construir uma vida melhor.

