A inteligência artificial e a paz

A inteligência artificial e a paz

01/01/2024
Bernardino Frutuoso

(© 123RF)

 

Vivemos na era da comunicação digital, dos algoritmos e das tecnologias de inteligência artificial (IA) generativas (como o ChatGPT), sistemas com capacidades, semelhantes às humanas, de apreensão do real, formação de conhecimento e aprendizagem. Estes sistemas estão a desenvolver-se e a expandir-se a um ritmo alucinante e todos nós, com mais ou menos literacia digital, estamos a perceber essa presença nas actividades quotidianas: seja quando utilizamos um motor de busca, um assistente virtual ou as redes sociais; quando fazemos compras numa loja online ou usamos um programa capaz de gerar imagens (como a que ilustra esta página). Usam-se também na investigação científica, na medicina, na educação e muitos outros domínios.

É considerando a complexidade deste contexto que o Papa Francisco escreve a sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, que celebramos no primeiro dia do ano. Intitulado Inteligência Artificial e Paz, o documento apela a um diálogo aberto sobre o significado da ciência, o progresso e as novas tecnologias, nomeadamente o papel da IA e as suas implicações para um mundo de paz e fraternidade. O papa assinala que as novas tecnologias são ferramentas maravilhosas, fruto do potencial criativo da inteligência humana, que criam «oportunidades apaixonantes». Podem servir para aliviar sofrimentos humanos, pôr fim às guerras e melhorar a vida da Humanidade, fomentar a comunicação pessoal, melhorar o trabalho. Não obstante, suscitam também inúmeros desafios, «não apenas de ordem técnica, mas também antropológica, educacional, social e política».

O papa, mostrando-se crítico de um sistema «tecnocrático», que alia a economia à tecnologia e privilegia os critérios da eficiência e do lucro, assinala alguns riscos do uso não-regulado dos sistemas de IA, nomeadamente: difusão de formas de preconceito e discriminação; propagação do ódio; disseminação rápida da desinformação; exacerbação de um individualismo; manipulação ou até controlo social; criação de sistemas de armas autónomos letais; uso invasivo da vigilância ou da adopção de sistemas de crédito social; desestabilização das instituições legítimas de governo e/ou interferência nos processos eleitorais (este ano haverá muitos, como podemos ler nas páginas 26-29).

Dadas as múltiplas questões que levanta a produção e uso da IA, o papa sublinha a necessidade de instituir organismos internacionais que possam «examinar as questões éticas emergentes e tutelar os direitos» das pessoas. Efectivamente, é preciso agir rapidamente e em dois planos em simultâneo: por um lado, ensinar a usar e a pensar a IA; por outro, não a deixar entregue à auto-regulação, mas «adoptando um tratado internacional vinculativo, que regule o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial nas suas variadas formas».

E Francisco faz um apelo a que estas tecnologias sejam utilizadas para promover o desenvolvimento humano integral, que «poderia introduzir inovações importantes na agricultura, na instrução e na cultura, uma melhoria do nível de vida de inteiras nações e povos, o crescimento da fraternidade humana e da amizade social». Em última análise, que «os progressos no desenvolvimento de formas de inteligência artificial sirvam a causa da fraternidade humana e da paz»