O Senhor vem de noite!

O Senhor vem de noite!

02/12/2023

Reflexão do P. Manuel João Correia para o 1º Domingo do Advento, em que Jesus nos convida a estar sempre vigilantes para captar a visita de Deus e discernir a sua ação.


Com o primeiro domingo do Advento começa o ano litúrgico B, durante o qual teremos como guia o evangelista Marcos, particularmente nos domingos do Tempo Comum. Ao longo de doze meses, reviveremos os mistérios da vida do Senhor. Cada ciclo litúrgico começa com o tempo do Advento, composto por quatro domingos que nos preparam para o Natal.

Advento, do latim Adventus, significa vinda. De que vinda se trata? Pensamos espontaneamente na do Natal. De facto, preparamo-nos para celebrar a memória do nascimento de Jesus. Mas, na realidade, o novo ano litúrgico enxerta-se no ponto de chegada do anterior, retomando a atitude do cristão que se orienta para o futuro. Deus vem do futuro! Um futuro que não deve ser temido, mas desejado, porque não é o fim, mas a meta da nossa vida, a realização das suas promessas. É por isso que, no evangelho de hoje, ouvimos a conclusão do discurso escatológico de Jesus, segundo o evangelho de Marcos. O primeiro domingo do Advento faz sempre eco à última invocação da Igreja que espera o seu Esposo: “Maràna tha! Vem, Senhor” (Apocalipse 22,20). 

O cristão vive no “entretanto”, entre duas vindas: a vinda de Cristo na carne e o seu regresso na glória. É por isso que o primeiro domingo do Advento renova o convite à vigilância,repetido quatro vezes no evangelho de hoje: “Acautelai-vos e vigiai!... O Senhor, antes de partir, deu plenos poderes aos seus servos, atribuindo a cada um a sua tarefa, e mandou ao porteiro que vigiasse. Vigiai, portanto!... O que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai!”.

Uma vinda durante a noite!

Segundo a tradição rabínica, há quatro grandes noites: a noite da criação, quando Deus cria a luz (Génesis 1,3); a segunda noite, quando Deus faz a aliança com Abraão (Génesis 15); a terceira é a noite do Êxodo, da Páscoa da libertação da escravidão do Egipto (Êxodo 12,42); a quarta é a noite de Israel à espera do Messias que vem instaurar o mundo novo. O evangelista Marcos (Mc 13,33-47) divide esta quarta noite em quatro partes, segundo o costume romano: o anoitecer, a meia-noite, o cantar do galo e a madrugada. 
Vigiai, portanto, visto que não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se de manhãzinha”.

Por que é que Jesus insiste tanto na vigilância? Porque o Senhor vem de noite! Diríamos que Deus prefere a noite, imagem do mistério da sua aparente ausência, para actuar na história e na nossa vida. É por isso que devemos estar vigilantes para captar a visita de Deus e discernir a sua ação. Nesta “noite” de Deus, tempo da nossa responsabilidade, corremos o risco de ser facilmente dominados pelo sono.

Mas existe também a nossa “noite”! Se a “noite de Deus” representa a sua presença misteriosa, que só a fé pode perceber, o que representa a nossa “noite”? O profeta Isaías apresentou-a de uma forma simbólica muito forte: “Éramos todos como um ser impuro, as nossas ações justas eram todas como veste imunda. Todos nós caímos como folhas secas, as nossas faltas nos levavam como o vento. Ninguém invocava o vosso nome, ninguém se levantava para se apoiar em Vós, porque nos tínheis escondido o vosso rosto e nos deixáveis à mercê das nossas faltas”. (primeira leitura). 

Cada um de nós tem, aliás, a sua “noite”. A noite da doença, do sofrimento, da solidão, do medo do futuro, da rutura das relações familiares, da precariedade, do pecado, do cansaço, da insatisfação, da desilusão, do desânimo... Deus vem na noite para habitar e iluminar as nossas longas noites de inverno!

Ordena ao teu porteiro que vigie!

E mandou ao porteiro que vigiasse!”. Quem é este porteiro? Jesus refere-se certamente aos dirigentes da comunidade, mas podemos também aplicá-lo a nós. O porteiro é a consciência do cristão que, particularmente neste tempo de Advento, é chamada à vigilância para discernir a vinda do Senhor. Tantas coisas, sentimentos, realidades, pessoas, desejos ... batem à porta do nosso coração. O “porteiro” deve estar atento para não deixar entrar o inimigo que traz sementes de morte. São Paulo adverte-nos que “até Satanás se pode disfarçar de anjo de luz” (2 Coríntios 11,14). Ao invés, o “porteiro” deve abrir ao que é fonte de nova vitalidade e, sobretudo, perceber os sinais da vinda do Senhor: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, virei a ele, cearei com ele e ele comigo” (Apocalipse 3,20). Não somos tanto nós que vamos ao seu encontro, mas é ele que vem ao nosso encontro. É por isso que Isaías, na primeira leitura, invoca a sua vinda: ““Voltai, por amor dos vossos servos e das tribos da vossa herança. Oh se rasgásseis os céus e descêsseis!”

Reflexão para a semana 

Aproxima-se a festa da Imaculada Conceição, a 8 de dezembro. A Virgem Maria é a figura típica do tempo do Advento. Convido-vos a meditar sobre esta oração de Dom Tonino Bello.

Santa Maria, Virgem da espera, dai-nos do vosso azeite porque as nossas lâmpadas se apagam. As nossas reservas esgotaram-se. Não nos mandeis para outros fornecedores. Reavivai nas nossas almas o antigo fervor que ardia em nós, quando bastava a mais pequena coisa para nos fazer saltar de alegria...
Se hoje já não sabemos esperar, é porque a esperança se esgotou. As suas fontes secaram. Sofremos uma profunda crise de desejo. E, já fartos dos milhares de falsas promessas, arriscamo-nos a não esperar mais nada, nem mesmo daquelas promessas de um outro mundo que foram assinadas com sangue pelo Deus da aliança...
Santa Maria, virgem da espera, dai-nos uma alma vigilante. Infelizmente, muitas vezes sentimo-nos mais filhos do crepúsculo do que profetas do advento. Sentinela da manhã, despertai em nossos corações a paixão dos jovens anúncios para os levarmos ao mundo, que já se sente velho. Trazei-nos, finalmente, a harpa e a cítara, para que, convosco, sentinela da manhã, despertemos a aurora.
Perante as mudanças que abalam a história, fazei-nos sentir na pele o ardor dos começos. Fazei-nos compreender que não basta acolher: é preciso esperar. Acolher é por vezes um sinal de resignação. A espera é sempre um sinal de esperança. Fazei de nós, portanto, ministros da espera. E que o Senhor que vem, virgem do Advento, nos surpreenda, também pela vossa cumplicidade materna, com a lâmpada na mão".

Padre Manuel João Pereira Correia, missionário comboniano