Ovelhas ou cabritos?

Ovelhas ou cabritos?

26/11/2023

Reflexão do P. Manuel João Correia para o XXXIV Domingo do Tempo Comum, festa de Cristo Rei, em que Jesus se identifica com os pequeninos.


Com o domingo de Cristo Rei concluímos este ano litúrgico (ciclo A) durante o qual o Evangelho de São Mateus nos acompanhou. É uma boa ocasião para fazer um balanço deste caminho com Jesus: se fomos do número dos seus discípulos na escuta da sua palavra ou se, pelo contrário, fomos meros simpatizantes ocasionais. No final desta viagem, poderemos dizer que conhecemos melhor Jesus?

A passagem do Evangelho é a conclusão do último discurso de Jesus (Mateus 24-25) sobre o fim dos tempos e o regresso do Senhor. É o seu último ensinamento antes de encaminhar-se para a sua paixão. Jesus, que vai ser julgado pelas autoridades políticas e religiosas, proclama-se o juiz de toda a terra!“ Quando o Filho do homem vier na sua glória com todos os seus Anjos, sentar-Se-á no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão na sua presença”!

 

1. O significado profundo desta festa

A solenidade de “Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo” é uma festa relativamente recente, instituída por Pio XI em 1925 e posteriormente fixada no último domingo do ano litúrgico. Qual é o sentido desta festa? Indicar a direção do ano litúrgico e de toda a história, orientados para a “recapitulação de todas as coisas em Cristo” e para a sua glorificação (ver primeira leitura e Efésios 1,10). Cristo é “o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (Apocalipse 22,13). Por isso, esta festa apresenta-nos o fim, o ponto de chegada da história e da nossa peregrinação. Vale a pena perguntarmo-nos: para onde vai a minha vida? Para a recapitulação em Cristo ou para a aniquilação?

 

2. Uma bofetada na cara de todos os reis!

O uso da terminologia Rei, Reino, Reinar, utilizada pela liturgia (ver o Evangelho e a segunda leitura) pode suscitar perplexidade, embora saibamos que se trata de uma linguagem bíblica figurada de que não podemos prescindir. Ainda por cima muitos fazem dela um uso triunfalista! O “rei” é coisa de outros tempos, com um sabor de absolutismo, de arbitrariedade e de abuso que gostaríamos de esquecer. Penso, porém, que proclamar Jesus como “Rei” é um facto revolucionário e provocador, porque Cristo é exatamente o oposto de qualquer rei. É um rei entronizado na cruz que se torna como uma bofetada na cara de qualquer “rei”, político ou religioso. Todo o poder político, religioso, social ou familiar que não esteja ao serviço está condenado à aniquilação, porque ele vem “aniquilar toda a soberania, autoridade e poder” (segunda leitura).

 

3. Um Rei, um Senhor para todos!

Todas as nações se reunirão na sua presença”. Quem são estas “nações”? A palavra em grego (ethnos) era utilizada para designar as nações pagãs, ou seja, aquelas que não pertenciam ao “povo” (laos) de Deus. As parábolas anteriores, por sua vez, referiam-se ao julgamento dos crentes. Isso não os exclui dos critérios de julgamento usados aqui por Jesus, pelo contrário, aumenta a sua responsabilidade: “O servo que, conhecendo a vontade do patrão, não dispuser ou não agir de acordo com a sua vontade, receberá muitas pancadas” (Lucas 12,47-48). 

 

4. As seis obras de misericórdia (Mateus 25,31-46)

Qual é o critério do Senhor para separar os “benditos” (à sua direita) dos “malditos” (à sua esquerda)? O exercício das seis obras de misericórdia! “Tive fome e destes-Me de comer; tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e Me recolhestes; não tinha roupa e Me vestistes; estive doente e viestes visitar-Me; estava na prisão e fostes ver-Me”. Jesus não fala em abstrato, de “justiça”, de “solidariedade” ou de “amor”, mas de gestos muito concretos de ajuda aos necessitados! 

Esta lista de obras de misericórdia é repetida quatro vezes, duas de forma positiva e duas de forma negativa. A repetição tem um objetivo mnemónico, para além de sublinhar a sua importância. 

O espanto é geral, tanto dos que estão à direita como dos que estão à esquerda: “Senhor, quando é que Te vimos...?” A resposta do Senhor é inaudita: “Em verdade vos digo: Quantas vezes [não] o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim [não] o fizestes”. Nunca uma divindade se tinha identificado com a pessoa necessitada!

O discurso de Jesus não tem por objetivo intimidar-nos com a ameaça do castigo, mas ajudar-nos a reler a nossa vida do ponto de vista do fim. O verdadeiro julgamento realiza-se na história: o nosso caminho é já um percurso de bênção ou de maldição, de vida ou de morte! A linguagem forte e profética de Jesus quer abanar-nos para não corrermos o risco de arruinar a nossa vida! 

Pergunto-me: porquê “seis” (imperfeição) e não “sete” obras de misericórdia? Eu responderia: a sétima é o serviço da fé prestado pelos crentes (ver as parábolas dos talentos e das dez virgens).

 

5. O mistério da Encarnação não está concluído!

A identificação de Jesus com os pequeninos faz-nos pensar que o mistério da Encarnação ainda não está completo. Jesus não só se fez (um) homem, mas continua a encarnar-se em cada homem e mulher, assumindo todo o sofrimento humano.
Isto leva-nos a pensar também que o mistério eucarístico se prolonga nos pobres: “Este é o meu corpo... este é o meu sangue!”

 

Exercício espiritual para a semana

- Invocar a vinda do Reino de Deus nas diferentes situações e lugares que frequentamos durante o dia: “Venha [aqui] o vosso Reino!”
“Nunca afastes de algum pobre o teu olhar” (Tobias 4,7, Dia Mundial dos Pobres).
- Façamos um sério exame de consciência para ver se também nós não estamos a ser influenciados pela “globalização da indiferença” (Papa Francisco).

P. Manuel João Pereira Correia