Há um amanhã que é demasiado tarde

Há um amanhã que é demasiado tarde

11/11/2023

Reflexão do P. Manuel João Correia para o evangelho do XXXII Domingo do Tempo Comum, em que Jesus nos convida a estar sempre vigilantes


Nos três últimos domingos do ano litúrgico, a Igreja convida-nos a meditar sobre os “últimos tempos”, os do regresso do Senhor, seu Esposo. Neste ano, em que o evangelho de Mateus nos acompanhou, concluiremos com o último dos cinco discursos que estruturam o seu evangelho (Mateus 25,1-13), o discurso escatológico (do grego eschaton, a realidade última). Num contexto de convite à vigilância, Mateus oferece-nos três parábolas de Jesus sobre o que significa estar vigilante: o servo fiel e prudente que espera o regresso do seu senhor (que não leremos), as dez virgens (parábola de hoje) e a parábola dos talentos (próximo domingo), concluindo com o juízo final (domingo de Cristo Rei). 

Uma lâmpada na noite

A parábola não é simples porque tem alguns traços improváveis. Isso faz parte do estilo das parábolas, que muitas vezes introduzem algo que vai contra o senso comum e a lógica da realidade, a fim de chamar a atenção para a mensagem final. 

O reino dos Céus pode comparar-se a dez virgens, que, tomando as suas lâmpadas, foram ao encontro do esposo”. Dez simboliza a totalidade. As dez virgens representam toda a gente. A nossa vida é uma saída ao encontro do Esposo, conscientes ou não. Mas é noite, uma noite longa. Precisamos de uma lâmpada para afastar a escuridão, pelo menos o suficiente que nos permita dar um passo em frente. É a luz da fé. “Lâmpada para os meus passos é a Tua palavra, luz para o meu caminho” (Salmo 109). 

Cinco eram insensatas e cinco eram prudentes”. Há uma maneira de viver como insensatos e outra como prudentes/sapientes. E aqui se divide em duas partes distintas: a humanidade inteira, crentes e não crentes. Devemos perguntar-nos: a qual destas duas partes pertencemos? E não se trata de uma pergunta qualquer, mas de uma antecipação do exame final da nossa existência: uma vida realizada, “sensata” isto é, com sentido, ou uma vida irremediavelmente desperdiçada, “insensta”, sem sentido! O mundo não está dividido entre ricos e pobres, entre inteligentes e ignorantes, entre patrões e servos, mas entre pessoas insensatas e pessoas sapientes!

Em que consiste a insensatez e a sapiência? “As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo, enquanto as prudentes, com as lâmpadas, levaram azeite nas almotolias”. A diferença parece pequena, insignificante, mas revelar-se-á decisiva. Sem alimentar a lâmpada, a luz apaga-se e a escuridão da noite invade a vida. No final do Sermão da Montanha, Jesus diz que o insensato constrói a sua casa sobre a areia e o prudente ou sábio sobre a rocha (Mateus 7,24-27).

Como o esposo se demorava, começaram todas a dormitar e adormeceram”. Todas foram vencidas pelo sono! Mateus está certamente a pensar na sua própria comunidade, no final do primeiro século, que tinha aderido à fé com entusiasmo, mas que, vencida pelo cansaço da longa espera do regresso do Senhor, esmorecera. São Pedro ilustra bem esta situação de crise: “Onde está a sua vinda, que prometeu? Desde o dia em que os nossos pais fecharam os olhos, tudo continua como no princípio da criação!” (2 Pedro 3,4). Este pode ser também o nosso sentimento. Basta olhar para tantas das nossas comunidades cristãs, adormecidas, sem entusiasmo, desiludidas.... Depois do Concílio Vaticano II, esperava-se uma nova primavera para a Igreja, mas os ventos impetuosos do secularismo e dos escândalos sufocaram-na. Esperava-se que a guerra e a fome se tornassem memórias distantes do passado, mas esses pesadelos voltaram. Em tudo isto, Deus parece cada vez mais ausente. À pergunta do profeta: “Até quando?”, a resposta continua a ser: “O justo viverá pela sua fé!” (Habacuc 2,4). “Mas será que o Filho do Homem, quando vier, encontrará fé sobre a terra?” (Lucas 18,8).

Lâmpadas sem azeite

No meio da noite ouviu-se um brado: ‘Aí vem o esposo; ide ao seu encontro’. Então, as virgens levantaram-se todas e começaram a preparar as lâmpadas”. No meio da noite do mundo, um grito! Como o da noite do Êxodo (Sabedoria 18,14-15). Queremos prever tudo, planear tudo, mas há acontecimentos que nos apanham sempre de surpresa! Então, a verdade da nossa vida será revelada: se o nosso sono foi o sono dos insensatos ou o sono de um coração enamorado: “Eu durmo, mas o meu coração vigia” (Cântico 5,2). 

As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, que as nossas lâmpadas estão a apagar-se’. Mas as prudentes responderam: ‘Talvez não chegue para nós e para vós. Ide antes comprá-lo aos vendedores’”. O que significa o azeite? Embora todos concordem que a lâmpada é a fé, há opiniões diferentes sobre o azeite. A maioria pensa em obras de caridade ou em pôr em prática a Palavra de Deus. Cada um de nós pode pensar qual será o “azeite” de que precisa para alimentar a chama da sua vida. Esse “azeite” só tu o podes obter. Não o podemos receber “por procuração”!

Uma porta fechada, um hoje sem amanhã!

Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para o banquete nupcial; e a porta fechou-se. Mais tarde, chegaram também as outras virgens e disseram: ‘Senhor, senhor, abre-nos a porta’. Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo: Não vos conheço’”. A parábola retoma o que Jesus tinha dito no Sermão da Montanha: “Nem todo aquele que me diz: "Senhor, Senhor", entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus” (Mateus 7,21-). 
“E a porta fechou-se”! “Batei e abrir-se-vos-á!” (Lucas 11,9-10). Demasiado tarde! É o fim de todas as oportunidades! Não é verdade que “nunca é tarde demais”! “O melhor tempo da vida passa-se a dizer "é demasiado cedo", depois "é demasiado tarde"” (Gustave Flaubert).

Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora!” A vida desenrola-se no “hoje” da nossa vida. “Eis agora o tempo favorável, eis agora o dia da salvação!” (2 Coríntios 6,2). “Exortai-vos, pois, uns aos outros todos os dias, enquanto durar este dia” (Hebreus 3,13). “O que é específico do cristão?” - pergunta São Basílio. “Estar vigilante todos os dias e todas as horas e estar pronto para fazer plenamente a vontade de Deus, sabendo que na hora em que não pensamos o Senhor vem”.

P. Manuel João Pereira Correia, mccj