Convites recusados, aceites e traídos

Convites recusados, aceites e traídos

14/10/2023

Reflexão do P. Manuel João Correia para o evangelho do XXVIII Domingo do Tempo Comum, em que Jesus apresenta a parábola do banquete aberto a todos.



Há cinco domingos que Jesus nos fala por parábolas. A parábola de hoje (Mateus 22,1-14) é a terceira dirigida aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos do povo. De facto, parece que se trata de duas parábolas juntas: a do banquete aberto a todos (vv. 1-10) e a do traje nupcial exigido a todos (vv. 11-14).

Habituámo-nos ao gênero parabólico frequentemente utilizado por Jesus, mas não devemos esquecer que, por detrás da aparente simplicidade da sua mensagem, a parábola exige de nós um duplo esforço: a sua compreensão no contexto cultural-histórico-bíblico do tempo de Jesus e a sua aplicação à nossa vida actual.

1. Uma parábola estranha e improvável!

Trata-se de uma parábola e, portanto, de um relato simbólico em vista da transmissão de uma mensagem. Mas São Mateus reinterpreta esta parábola de Jesus em função da sua comunidade, tornando-a complexa e improvável. Para o compreender, basta ler a versão de S. Lucas, com uma intenção catequética diferente, onde a mensagem é muito simples e directa (ver Lc 14,15-24, talvez inspirada em algo que aconteceu realmente!).

A nossa parábola de hoje trata de um banquete preparado por um rei para as bodas do seu filho, portanto uma circunstância de festa e de alegria. Ora, são introduzidos na história três elementos anómalos que contrastam com o ambiente festivo: a rejeição e até a reacção violenta dos primeiros convidados; o envio do exército para matar os assassinos e incendiar a sua cidade; e, quando a sala está cheia de novos convidados, a intervenção dura do rei ao ver que um dos convidados não trazia a túnica nupcial. Como compreender a parábola?

Mateus apresenta a história da salvação sob forma alegórica, utilizando uma linguagem provocante. Não esqueçamos que Jesus está a falar aos chefes religiosos de Israel. Os dois primeiros grupos de servos da parábola representam os profetas enviados ao povo de Deus (antes e depois do exílio?). A destruição da cidade é uma alusão à destruição de Jerusalém (a cidade “que mata os profetas!” Mateus 23,37), primeiro pelos babilónios, no ano 587 a.C., e depois pelos romanos, no ano 70 d.C. 

O terceiro grupo são os apóstolos enviados ao mundo para convidar todos a entrar na festa do Reino. A adição do homem despojado da sua veste nupcial é um aviso à comunidade cristã.

Qual é a mensagem da parábola? A primeira parte revela o chamamento universal de Deus, agora dirigido a todos os homens, maus e bons, sem excluir ninguém. Já não existe um povo eleito e uma nação privilegiada, mas todos são chamados: “Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda a criatura”. Assim, cumpre-se o que Isaías profetizou: “Sobre este monte, o Senhor do Universo há de preparar para todos os povos um banquete de manjares suculentos, um banquete de vinhos deliciosos: comida de boa gordura, vinhos puríssimos” (ver primeira leitura, Isaías 25,6-10). A segunda parte, porém, sublinha que não basta aceitar o convite, é preciso converter-se, isto é, sintonizar-se com a alegria das núpcias do Filho do Rei e entrar em convívio com todos os comensais. Concentremos a nossa atenção nesta dupla mensagem.

2. Um convite para o banquete: Vinde às bodas!

Preparei o meu banquete..., tudo está pronto. Vinde às bodas!”
Toda a Sagrada Escritura poderia ser relida à luz do convite: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho” (Carta aos Hebreus 1,1-2). É um convite a celebrar, a alegrar-se, a participar na vida de Deus, nas suas núpcias de amor com a humanidade. Infelizmente, a visão dominante da vida como sofrimento e sacrifício deturpou a nossa relação com Deus e a prática da fé.

Não admira, pois, o triste espectáculo das nossas igrejas vazias, como a sala vazia da parábola. O convite não é entendido como uma chamada para um banquete. A Eucaristia é uma antecipação do banquete celeste das núpcias do Cordeiro. O Pai convida, o Filho celebra, mas onde está o Espírito? Muitas vezes o Espírito é deixado do lado de fora da porta. É por isso que falta a alegria e o entusiasmo. Sem o Espírito não há festa! Sem o Espírito não há convívio. E vê-se quando o Espírito está presente: o rosto fica radiante, a alegria da festa contagia, as pessoas aproximam-se porque a festa une as pessoas! Em vez disso, tem-se muitas vezes a impressão de que a celebração é um “acto de devoção” privado, cada um com o “seu Deus”, consumindo a “refeição” por sua conta. Comunicamos ao corpo de Cristo, mas não comunicamos uns com os outros!

Eis a conversão urgente da Igreja: abrir as portas à novidade, à juventude e à alegria do Espírito Santo. Então, cada convidado tornar-se-á um “anjo”, um enviado, um apóstolo, um missionário, e a sala do banquete encher-se-á!

3. Onde está o teu traje nupcial?

Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?”
O que é o traje nupcial? Muitos pensam na retidão moral ou no compromisso cristão. Santo Agostinho e São Gregório Magno dizem que é a caridade. Outros, a indumentária de serviço, isto é, despojar-se do seu traje para servir, como Cristo fez para lavar os pés dos apóstolos. De facto, “Cristo despojou-se” e, nu, celebrou as suas bodas com a humanidade na cruz. Para mim, é mais natural pensar na túnica batismal. Parece que, no antigo Oriente, o rei também oferecia a veste nupcial aos seus convidados. No Génesis, é o próprio Deus que cobre a nudez dos nossos antepassados (3,21) e, no Apocalipse, a noiva (a Igreja, ou seja, nós!) recebe “um vestido de linho resplandecente e puro” (19,8). 

O convidado apanhado sem o traje nupcial pode ser aquele que não acolhe a novidade de Cristo, limitando-se a pôr um remendo de pano novo num vestido velho (Lc 5,36). Em conclusão, o traje nupcial é o próprio Cristo: “Todos os que fostes baptizados em Cristo, revestistes-vos de Cristo” (Gálatas 3,27). É por isso que São Paulo nos exorta: “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Romanos 13,14).

Para a nossa reflexão pessoal

Reflectamos sobre as nossas recusas perante os numerosos convites e apelos de Deus na nossa vida. Como é que participamos no banquete eucarístico, com ou sem o Espírito, com o traje nupcial ou com túnica remendada? Estamos dispostos a ser “anjos” do convite?

P. Manuel João Pereira, Comboniano